O chefe da diplomacia portuguesa, Paulo Rangel, chega amanhã (sexta-feira) a Luanda para uma visita de trabalho de 30 horas, e é recebido, logo após a chegada, pelo Presidente de Angola (não nominalmente eleito), general João Lourenço.
Paulo Rangel, que viaja para Angola para preparar a visita que o primeiro-ministro português, Luís Montenegro, irá realizar de 23 a 25 de Julho, a convite do general João Lourenço, manterá ainda durante a manhã de sexta-feira uma reunião de trabalho com o seu homólogo angolano, Téte António.
O ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros português tem agendada para a manhã de sábado uma visita ao cemitério de Santa Ana, onde acompanhará as obras de requalificação dos talhões militares portugueses.
Do programa da estada de Paulo Rangel na capital angolana consta ainda uma recepção à comunidade portuguesa, na sexta-feira à tarde.
O convite do general João Lourenço a Luís Montenegro para uma visita oficial a Angola foi feito aquando da presença do chefe de Estado angolano em Portugal para as celebrações do 50º aniversário do 25 de Abril.
O general João Lourenço fez o anúncio numa declaração à imprensa, no final do encontro com Luís Montenegro, na residência oficial do primeiro-ministro português. Na ocasião, e referindo-se às relações bilaterais, o também Presidente do MPLA e Titular do Poder Executivo considerou que “estão no seu melhor”.
“Embora tenhamos a obrigação de não nos sentirmos nunca satisfeitos. Temos de ser ambiciosos a ponto de querer mais e mais”, acrescentou. Para o general João Lourenço, “o reforço das relações de amizade entre Angola e Portugal é uma ambição que é recíproca. É de Angola mas também é de Portugal”.
“As nossas relações vão no bom caminho. O Governo do primeiro-ministro, Luís Montenegro, vai dar continuidade ao que temos feito até aqui e o ideal será reforçar cada vez mais”, destacou.
Alguém ouviu Luís Montenegro dizer que 68% da população angolana é afectada pela pobreza, que a taxa de mortalidade infantil é das mais alta do mundo, com 250 mortes por cada 1.000 crianças? Alguém o ouviu dizer que apenas 38% da população angolana tem acesso a água potável e somente 44% dispõe de saneamento básico?
Alguém o ouviu dizer que apenas um quarto da população angolana tem acesso a serviços de saúde, que, na maior parte dos casos, são de fraca qualidade? Alguém o ouviu dizer que 12% dos hospitais, 11% dos centros de saúde e 85% dos postos de saúde existentes no país apresentam problemas ao nível das instalações, da falta de pessoal e de carência de medicamentos?
Alguém o ouviu dizer que 45% das crianças angolanas sofrerem de má nutrição crónica, sendo que uma em cada quatro (25%) morre antes de atingir os cinco anos? Alguém o ouviu dizer que, em Angola, a dependência sócio-económica a favores, privilégios e bens, ou seja, o cabritismo, é o método utilizado pelo MPLA para amordaçar os angolanos?
Alguém o ouviu dizer que, em Angola, o acesso à boa educação, aos condomínios, ao capital accionista dos bancos e das seguradoras, aos grandes negócios, às licitações dos blocos petrolíferos, está limitado a um grupo muito restrito de famílias ligadas ao regime no poder?
Alguém o ouviu dizer que Angola é um dos países mais corruptos do mundo e que tem 20 milhões de pobres?
Ninguém o ouviu dizer qualquer coisa que possa irritar o partido que desgoverna Angola há 49 anos. Dir-se-á, e até é verdade, que esse silêncio sobre a realidade angolana é condição “sine qua non” para cair nas graças do dono do nosso país, até porque todos sabemos que nenhum negócio se faz sem a devida autorização do general João Lourenço.
Portugal consegue assim não o respeito mas a anuência do regime para as suas negociatas. Esquece-se, contudo, de algo que mais cedo ou mais tarde lhes vai sair caro: o regime não é eterno e os angolanos têm memória.
Os angolanos da casta superior que dirige o reino há 49 anos (o MPLA) acreditam que se justifica que Pedro Nuno Santos (PS), Luís Montenegro (PSD), André Ventura (Chega), Rui Rocha (Iniciativa Liberal), Mariana Mortágua (BE), Paulo Raimundo (PCP), Rui Tavares (Livre) e Inês Sousa Real (PAN) agradeçam (mesmo que a despropósito) ao general João Lourenço. Se o MPLA dizia que José Eduardo dos Santos era o “escolhido de Deus”, estes políticos portugueses devem dizer que João Lourenço é o próprio “Deus”. Portanto, por acção ou omissão, eles dizem.
Recorde-se ainda que Marcelo Rebelo de Sousa, ao elogiar o “projecto de paz, de democracia, de regeneração financeira, de desenvolvimento económico, de combate à corrupção” protagonizado pelo Presidente do MPLA, general João Lourenço, mostrou várias vezes que não sabe o que diz nem diz o que sabe. Mas, é claro, não está só. Quando se está no Poder todos são bestiais. Quando deixam de estar são, regra geral, bestas. José Eduardo dos Santos que o diga.
Todos nos recordamos de, numa intervenção durante um jantar oficial oferecido pelo general João Lourenço, no Palácio Presidencial, em Luanda, Marcelo Rebelo de Sousa saudar como “o vulto cimeiro de um novo tempo angolano”. Não se terá lembrado de o propor para um Prémio Nobel, mas quando “descobrir” que existem 20 milhões de angolanos pobres… vai propor. Justamente, acrescente-se.
“Vossa excelência protagoniza-o com um projecto de paz, de democracia, de regeneração financeira, de desenvolvimento económico, de combate à corrupção, de afirmação regional e mundial. Nós, portugueses, seguimos com empenho essa aposta de modernização, de transparência, de abertura, de inovação, de acrescida ambição”, afirmou Marcelo Rebelo de Sousa, bem ao estilo dos sipaios coloniais, mas com uma substancial diferença. Estes eram obrigados a bajular, o presidente português não é obrigado a isso. Ou será que é?
Segundo o Presidente português, o general João Lourenço protagoniza “um novo tempo angolano, na lúcida, consistente e corajosa determinação de aproveitar do passado o que se mantém vivo, mas, sobretudo, entender o que importa renovar para tornar o futuro mais possível, mais ambicioso e mais feliz para todos os angolanos”.
Continuemos, para memória futura, com o brilhantismo bacoco de Marcelo. Disse ele que, da parte de Portugal, Angola conta com “o empenho de centenas de milhares que querem contribuir para a riqueza e a justiça social” com o seu trabalho, bem como “das empresas, a começar nas mais modestas, no investimento e no reforço do tecido socioeconómico angolano” e também com “o empenho das instituições públicas portuguesas, do Estado às autarquias locais”.
“Podem contar connosco na vossa missão renovadora e recriadora. Portugal estará sempre e cada vez mais ao lado de Angola”, acrescentou Marcelo Rebelo de Sousa, fazendo aqui e mais uma vez o exercício de passar aos angolanos um atestado de menoridade e matumbez.
Portugal, por sua vez, conta com a “incansável solidariedade” de Angola. “Contamos com os vossos trabalhadores, as vossas empresas, as vossas instituições públicas, a vossa convergência nos domínios bilateral e multilateral. Temos a certeza de que Angola estará sempre e cada vez mais ao lado de Portugal”, prosseguiu Marcelo no seu laudatório e hipócrita exercício de servilismo que, presumivelmente, será seguido à letra por Luís Montenegro.
De acordo com o Presidente português, este “novo momento na vida de Angola” coincide com “um novo ciclo” nas relações bilaterais. “E nada nem ninguém nos separará, porque os nossos povos já estabeleceram o seu e o nosso caminho”, considerou Marcelo, sentindo o umbigo aos saltos, alimentado pela esperança de que os portugueses não acordem e os angolanos nunca lhe cobrem a cobardia.
“Porque estamos mesmo juntos, na parceria estratégica, na cooperação económica, financeira, educativa, científica, cultural, social e política. Porque no essencial vemos o mundo e a nossa pertença global e regional do mesmo modo, a pensar na paz, nos direitos humanos, na democracia, no direito internacional, no desenvolvimento sustentável, na correcção das desigualdades”, argumentou aquele que, em matéria de bajulação, bateu todos os recordes anteriores.
No final da sua intervenção, de cerca de sete minutos (que entrará para o “Guinness World Records” por ser o que mais bajulação fez em tão curto espaço de tempo), Marcelo Rebelo de Sousa disse que “a história faz-se e refaz-se todos os dias e nuns dias mais do que noutros”, acrescentando: “Estes que vivemos são desses dias”.